POR QUE OS EMPREGADORES BRASILEIROS PERDEM TANTAS AÇÕES INDENIZATÓRIAS NA JUSTIÇA DO TRABALHO?

Por que é tão difícil para executivos estrangeiros entenderem o grande número de condenações por doenças em trabalhadores no Brasil? Porque o entendimento das relações entre os fatores laborais e as doenças dos trabalhadores é equivocado institucionalmente pela Previdência Social, por muitos juízes da Justiça do Trabalho e por profissionais de saúde ligados aos chamados “movimentos sociais”.

Este artigo não tem a pretensão de ser entendido como expressão da verdade absoluta, representando as impressões profissionais do autor, que há 2 décadas vivencia e tenta compreender os fenômenos que ocorrem nas perícias judiciais, em especial na Justiça do Trabalho, onde atuou inicialmente como perito do juízo  e, depois, como assistente técnico para grandes empresas.

Em primeiro lugar é necessário esclarecer que existem muitos casos de Doenças Ocupacionais não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Tais doenças muitas vezes são consequência de leniência e descaso de empregadores que não adotam políticas consistente de saúde e segurança do trabalho, desprezando os conhecimentos e regramentos de higiene industrial, ergonomia e organização do processo de trabalho, talvez como consequência de informalidade e falta de fiscalização e principalmente de políticas educacionais por parte das diversas esferas nos governos e também nas parcelas mais representativas da sociedade civil .  

Ocorre, porém, que muitas empresas que estão adequadas às políticas e regramentos de saúde e segurança do trabalho têm sido condenadas em casos nos quais as relações causais entre as doenças do trabalhador e supostas exposições ocupacionais é caracterizada de maneira inconsistente, causando perplexidade nas equipes de saúde e segurança do trabalho, na administração da empresa e muitas vezes em suas matrizes no exterior. E é tormentoso tentar explicar isso.

As primeiras legislações que versaram sobre as relações de trabalho e que se tem conhecimento datam de 1830, como a Lei de Locação de Serviços, que regulava o contrato de prestação de serviços exercidos por brasileiros ou estrangeiros durante o período imperial.[1]

No final do século XIX e início do Século XX imigrantes ligados a movimentos anarquistas e socialistas impulsionaram movimentos grevistas. 1917 ficou conhecido como o ano das grandes greves no país. No auge da Primeira Guerra Mundial e influenciados pela Revolução Russa, vários sindicatos e movimentos operários de São Paulo, de inspiração anarquista, começaram a se organizar para pleitear direitos. Em 1922, é fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB), composto por membros dissidentes do movimento anarquista. Esse partido visava utilizar o aparato estatal para garantir a primazia do proletariado nas relações de trabalho, mas foi desarticulado e proibido no Brasil anos depois. [2]

Desde a época do império, o Brasil sempre foi governando por representantes das elites econômicas, representantes do que hoje recebe a alcunha de movimentos de Direita, o que começou a mudar com a Eleição de
Fernando Henrique Cardoso em 1994 e modificou radicalmente com a eleição de Lula em 2002.

Entre 2003 e 2016 o Partido dos Trabalhadores governou o Brasil, tendo sido presidentes Lula e Dilma Rousseff. Nesse período sindicalistas e pessoas ligadas a movimentos ditos “sociais” trabalharam intensamente para modificar as políticas públicas e as leis, sendo que algumas dessas mudanças provocaram distorções nas relações entre empregadores e empregados, culminando, em última análise, numa situação em que a Previdência Social passou a presumir que as doenças dos trabalhadores teriam origem ocupacional baseando-se em critérios inconsistentes e propagandeando que isto representava a inversão do ônus da prova em desfavor do empregador. Ou seja, a Previdência Social passou adotar uma postura (que ainda mantém), pela qual quando se levanta a suspeita de que a doença do trabalhador possa ser ocupacional o empregador deve provar que não é, para não ser responsabilizado. Na justiça Cível e na justiça Penal, a regra é que quem acusa deve provar, exatamente o contrário do regramento eleito pela Previdência Social.

O empregador, perante a previdência, passou a ser considerado culpado até que se prove inocente. E não demorou muito para que alguns magistrados da Justiça do Trabalho (que desde a sua origem é tendenciosa a favor dos empregados), passassem a utilizar os critérios da Previdência Social para julgamento de ações com pedidos de danos materiais em decorrência de presumidas doenças ocupacionais. Isso apesar de doutrinadores oriundos da própria justiça do trabalho reconhecerem que as regras para a presunção de causalidade na previdência social serem alargadas em relação ao que é previsto na formação da Responsabilidade Civil, porquanto são interpretados como acidentes de trabalhos situações que são excludentes da responsabilidade, como fatos de terceiro, motivos de força maior e culpa exclusiva da vítima.

Desde o início do Governo de Lula, a Previdência Social foi preparando caminho para abrandar os critérios para presunção de causa ocupacional das doenças dos trabalhadores, e no decorrer deste processo chegou a reconhecer que a metodologia proposta não permitia a caracterização de nexo causal entre trabalho e doença do trabalhador. Mas desde que fez esse reconhecimento, passou a propagandear que a metodologia (NTEP), conquistava a inversão do ônus da prova em favor dos trabalhadores (em desfavor dos empregadores). Ao mesmo tempo o governo petista promoveu mudanças estruturais na justiça do trabalho e, ao longo de 16 anos, teve a oportunidade de escolher diversos magistrados alinhados à sua ideologia, pois a constituição Brasileira garante que 20 % dos magistrados sejam indicados pelos chefes do executivo nacional e estadual entre promotores e advogados. Em 16 anos, esse viés de seleção adquire números relevantes.

Em maio de 2003, com apenas 4 meses de governo, Lula publicou a lei 10.666, que deveria falar sobre a concessão de aposentadoria especial ao cooperado de cooperativa de trabalho ou de produção, e aproveitou o ensejo para prever, pela previdência social, a criação de um índice baseado em frequência, gravidade e custo, através de metodologia a ser criada pela Previdência Social (Artigo 10º). Em abril de 2004, o Conselho Nacional da Previdência Social publica a Resolução 1236/2004 aprovando uma a proposta metodológica que tratava da flexibilização das alíquotas de contribuição destinadas ao financiamento do benefício de aposentadoria especial e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho. Tal metodologia recebeu a alcunha de Fator Acidentário de Prevenção. Em 26/12/2006, foi publicada a Lei 11.430, que alterou a Lei 8213/1991, criando o Artigo 21-A, que previu que a perícia médica do INSS consideraria caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento (da Previdência Social). O Decreto 6042, de fevereiro de 2007, realizou alterações no Decreto 3048/1999, cria o Artigo 202-A que menciona quantidade de benefícios incapacitantes com significância estatística capazes de estabelecer Nexo Epidemiológico entre a atividade da Empresa e a entidade mórbida. Em março/2007 o INSS publica a Instrução Normativa  nº 16, que estabelece critérios para aplicação de Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), como “uma das espécies do gênero Nexo Causal” e determina que a perícia do INSS caracterizasse tecnicamente o acidente de trabalho ao verificar a ocorrência do “Nexo Técnico Epidemiológico” entre o CNAE da empresa e o CID da entidade mórbida causadora da incapacidade. Em 10/09/2008 foi publicada a Instrução Normativa/ INSS nº 31, que em seu artigo 3º reconhece que o Nexo Técnico Previdenciário poderia não ter uma natureza causal. No seu artigo 4º prevê que a empresa poderá interpor recurso ao Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS) até trinta dias após a data em que tomar conhecimento da concessão do benefício em espécie acidentária por nexo técnico profissional ou do trabalho, conforme art. 126 da Lei nº 8.213/91 quando dispuser de dados e informações que demonstrem que os agravos não possuem nexo técnico com o trabalho exercido pelo trabalhador.

No Brasil, a justiça do Trabalho foi criada em 1939 e em 1943, Getúlio Vargas oficializou o Decreto Lei 5452, aprovando a consolidação das Leis do Trabalho, num momento em que o mundo estava em guerra e que o analfabetismo e a desqualificação da mão de obra eram muito prevalentes. Nesse momento histórico e nas condições então existentes, certamente a maioria dos trabalhadores era imensamente fragilizada em comparação aos empregadores, e necessitavam de mecanismos de proteção que compensassem essa fragilização. Mudanças foram paulatinamente ocorrendo até que em 1999 a emenda Constitucional 24 extinguiu as Juntas de Conciliação e Julgamento e criou as Varas do Trabalho e em 2004 a Emenda Constitucional nº 45 atribuiu novas funções à justiça do Trabalho, o que se relaciona diretamente com o aumento das condenações de empregadores.

Em 08 de dezembro de 2004 foi promulgada a Emenda Constitucional n° 45 / 2004. Esta alterou o Artigo 114 da Constituição Federal, promovendo modificações na Justiça do Trabalho  e conferindo-lhe novas atribuições, para processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII – a execução de ofício das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

Antes da Emenda Constitucional nº 45, não havia previsão para que a Justiça do Trabalho julgasse ações por danos, o que era feito pela Justiça Cível. Ocorre que desde a sua criação, a Justiça do Trabalho foi teve como princípio proteger o trabalhador contra o empregador, implicando em que não se trata de uma justiça neutra. Princípios Clássicos do Direito como a dúvida beneficiar o Réu (in dubio pro reo), na justiça do trabalho foram adaptados para beneficiar o trabalhador (in dubio pro misero). Este é um dos fatores de desequilíbrio nas relações jurídicas entre empregadores e empregados.

Trata-se do chamado Princípio da Proteção (tutelar, tuitivo ou protetivo), considerado por alguns o “Princípio Mãe” do Direito do Trabalho. Este seria considerado por alguns doutrinadores o “princípio dos princípios”, eis que todos os demais princípios que fundamentariam o Direito do Trabalho partiriam dos ideários do Princípio da Proteção.

Desse modo, postula-se que existe, faticamente, uma desigualdade econômica entre o empregado e o empregador. O trabalhador, portando seria presumido como sendo hipossuficiente, ou seja, a parte mais fraca na relação jurídica. Desse modo teria se desenvolvido o entendimento de que o Direito do Trabalho deveria assegurar uma superioridade jurídica ao empregado, traduzindo aplicação do princípio da igualdade (isonomia ou paridade de armas).

Existem também juristas que advogam que a igualdade seria alcançada  pelo tratamento desigual conferido aos desiguais, na medida de suas desigualdades.

Como vimos, princípios basilares da Justiça do Trabalho potencializam a probabilidade de o empregador ser responsabilizado em situações nas quais não seria em outras justiças especializadas.

Por isso, ao ser acionado na Justiça do Trabalho, o empregador já sai em desvantagem.

TENDÊNCIAS DE JURISTAS E DOUTRINADORES BRASILEIROS A DEFENDER O ABRANDAMENTO DOS CRITÉRIOS DE ESTABELECIMENTO DE NEXO CAUSAL, OU ATÉ MESMO SUA ABOLIÇÃO COMO CRITÉRIO DE RESPONSABILIZAÇÃO, EM DETRIMENTO DE EVITAR O CHAMADO “DANO INJUSTO”.

Muitos autores brasileiros defendem que critérios rígidos para o estabelecimento de uma relação causal entre o suposto agente causador do dano e o dano propriamente dito, devem ser amenizados com a finalidade de garantir o ressarcimento desse dano supostamente injusto. Isso sem se preocupar se uma condenação injusta não geraria também um dano injusto.

Esse tipo de tese ganha guarida entre defensores, por exemplo,  da chamada causalidade alternativa, ou da responsabilização do suposto criador de uma atividade de risco (sem dimensionar o risco), sem a necessidade de estabelecimento de nexo causal entre o suposto agente e o dano.

Na justiça do trabalho, parece haver, por parte dos magistrados, grande aceitação dessa filosofia de pensamento.

A CEREJA DO BOLO: ENTENDIMENTO EQUIVOCADO DAS RELAÇÕES CAUSAIS ENTRE DOENÇA E TRABALHO.

Publicações do Ministério da Saúde do Brasil, mesmo antes dos sucessivos governos capitaneados pelo Partido dos Trabalhadores divulgaram ideias erradas quanto as relações causais entre as doenças dos trabalhadores e suas atividades laborais. Coincidentemente, alguns dos profissionais que respaldaram tecnicamente tais publicações, ganharam mais projeção entre 2003 e 2016.

Embora a Organização Mundial de Saúde e a Organização Internacional do Trabalho tenham publicado textos, livros e até feio constar em seus sites as obvias diferenças entre as doenças ocupacionais e as doenças relacionadas ao trabalho (as primeiras apresentam relações bem estabelecidas com o trabalho, enquanto as outras podem apresentar relações inconsistentes, espúrias e especulativas), publicações patrocinadas pelo Ministério da Saúde do final dos anos 1990 e início dos anos 2.000 continham textos ambíguos que levaram muitos profissionais a crer que esses conceitos seriam equivalentes.

Esclarecendo antecipadamente que sou a favor da vacinação contra o COVID e que me vacinei; para efeitos de comparação é interessante pontuar que se recentemente foram exaradas críticas à falta de cientificismo para aqueles que se não defendiam a vacinação a doença provocada pelo COVID-19, parte desses críticos não pensou da mesma maneira em relação à presunção de doença ocupacional sem atender aos critérios utilizados pela ciência para se determinar causalidade. Portanto, me parece que, em alguns casos, a ideologia política despreza a ciência da mesma maneira que alguns líderes religiosos o fizeram na idade média.

Esse cenário surreal de responsabilização sem a necessidade de demonstrar que se tenha causado algum dano é agravado pela completa falta de critérios objetivos para determinação da causalidade das Doenças Relacionadas ao Trabalho, em meio a um sistema de perícias distorcido no qual concluir em desfavor ao empregador muitas vezes implica numa remuneração maior e mais rápida.

CONCLUINDO

A conjunção de todos esses fatores, anteriormente listados, implica na fragilização do empregador em processos trabalhistas no Brasil e, por conseguinte, majorando a possibilidade (e a ocorrência) de condenações injustas.

Novembro de 2021.

Dr. Marco Antonio Borges das Neves – CRM 90.989

Especialista em Medicina do Trabalho pela ANAMT / AMB – registro nº 122.260

Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas pela ANMLPM / AMB Registro nº 131.595


[1] Brasil, Tribunal Superior do Trabalho: “História da Justiça do Trabalho”.  http://www.tst.jus.br/historia-da-justica-do-trabalho acessado em 01/06/2021.

[2] Brasil, Tribunal Superior do Trabalho: “História da Justiça do Trabalho”.  http://www.tst.jus.br/historia-da-justica-do-trabalho acessado em 01/06/2021.

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